Passadas firmes eram ouvidas de longe. Vinha João, com toda a sua pomposa pobreza. Caminhava como um rico, um rei, um deus. Em algum lugar de seu bolso, faltava-lhe um tostão. Em sua face faltava a beleza, em suas roupas toda a formosura de seu andar. João dormira abaixo da ponte essa noite. Todos viram. Até mesmo o Manoel, aquele vesgo que nada vê. Nos bares, o assunto era o tal João.
- Joaquim, você viu o Senhor João abaixo da ponte principal essa noite?
- Sim, sim! Todos viram. Que será que aconteceu com João?
- Deus que me livre, não quero nem saber.
João nada ouvia. Nada via. Não estava nem aí. Queria mesmo era morrer embaixo da ponte. Enquanto dormia, torcia para que o rio subisse e o matasse afogado. Quando percebeu que vivo ainda estava, fechou a cara e xingou tudo o que podia. Ah, se Dona Ana não tivesse tido a maldita idéia de tentar o filho homem. Ah, se Dona Ana tivesse desistido na décima irmã de João. Mas não. Tinham de tentar o garoto. O homenzinho que salvaria a família de todo aquele martírio. João nunca quis nascer. Na hora do parto, estava atravessado no ventre da mãe e esta morreu para que ele saísse. Depois disso, sufocou-se com o cordão umbilical e quase perdeu os pulmões. Mesmo assim sobrevivera. Certa vez, quando tinha uns dois anos e os catarros não paravam de escorrer do nariz, caiu com a cabeça no asfalto. Uma outra vez, seu carro foi esmagado por um trem. Infelizmente, o lago castigado foi apenas o do carona. Onde sua radiante namorada esteve sentada antes de virar uma sopa de órgãos estraçalhados.
Ninguém entendia o porquê do homem ser tão ranzinza. E nem deveria. Todas aquelas pessoas, com todo aquele amor pela vida, jamais experimentariam o sabor agridoce das quase-mortes de João. Todos tentando agradar os vizinhos, fingindo ter o que não tinham, ser o que não eram. João não se importava. Dormia embaixo da ponte pois perdera todo o seu dinheiro na sua última quase-morte. Meteu-se em um cassino e jogou todos os seus poucos dólares nas máquinas. No fim, devia mais de dois mil dólares e não tinha como pagar. Capangas enormes o perseguiram, com armas empunhadas, e ele já agradecia por ser seu fim. Porém, para a sua infelicidade costumeira, nenhum tiro acertou-lhe.
Naquele dia, estava mais que cansado de tudo. Não tinha mulher, não tinha filhos. O que fora sua própria escolha. Não queria ser responsável pela dor de uma criatura ao viver. Não queria carregar o fardo de colocar mais um azarado no mundo. Vagava só por vagar. Já não esperava nem a morte mais. Sabia que quanto mais quisesse, mais atrasaria. Não acenou ao vesgo Manoel quando este lhe deu um adeus animado. Nem respondeu o "Bom dia" do Joaquim, não suportava aquele bêbado vagabundo. Andou e andou. Até que uma senhora gorda irrompeu do outro lado da rua. Sem toda a educação do mundo, deu uma bundada em João. Daquelas fortes. O magrelo voou no meio da rua, aonde um caminhão vindo em velocidade não permitida acertou-lhe a cara. Todos olhavam as tripas de João ali no chão. A gorda estava em prantos. Sua bunda enorme havia matado um pobre homem, dizia ela. Mal sabia que a vontade de João era beijar-lhe a bunda até que não aguentasse mais. Manoel esbravejava para os vizinhos que não podiam ver, devido à multidão.
- É o João! É o João! João da ponte, João do andar, João do azar. João está morto agora.
Ninguém se importou na verdade. Só queriam mesmo ver e fotografar algo chocante para mostrarem aos outros vizinhos que viajavam no feriado de carnaval. Diriam que a cidadezinha do interior fora mais interessante. Uma bunda gorda havia matado um homem! Que na altura ninguém mais saberia o nome. João Ninguém, diriam. João que estava lá no céu, abraçando e beijando a morte até que não sobrasse ar. Como amava aquela criatura! Como amava enfim ter se livrado daquelas pessoas malditas lotadas de hipocrisias e aparências falsas. Lá no céu ninguém se importava com nada. No céu ele era importante. Era o João de Deus. Era o João dos Céus. Anjo João. João do Amor. João da Dor. João da Morte.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Que?!
O que eu viria de olhos fechados vidrados no rosto desaparecido era a ausência refletida no bronze quebradiço. No escuro noturno eu tocaria seu corpo de lençóis brancos e eu viria você tão linda sumindo conforme o branco cai. Eu beijaria a boca de andorinhas dançantes levando embora seu perfume contagiante e seu cheiro de fruta fresca. Abraçaria o coração que não mais bate pra me sujar do vermelho seu tão seu que queria dilacerar-te.
domingo, 19 de dezembro de 2010
"A saudade é o revés de um parto"
Eu venho como o vento, sussurrar em seus ouvidos a angustia da saudade. Passo como brisa assobiando a canção do amor, a canção que eu fiz pra você, pra lhe dizer que eu sou sua. Ando sem meus pés, flutuando em seus cabelos, nadando no mel escurecido de seus olhos... Venho todos os dias, eu nunca quis dizer adeus. Eu venho com os sorrisos, com os beijos, com os raios de todos esses sóis e o brilho de todas essas estrelas. Mas o que sou, não tem jeito, é vento. Pra bagunçar teu cabelo, teu mundo... Eu nunca quis dizer adeus...
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Trecho abortado
[...] Tinha uma coisa. Quase abortada, quase arrancada a faca de seu mundo. Quase tão morta quanto a flor seca no livro. Seria possível? Depois de tanto tempo... Depois de tantas tempestades e fucarões. Depois de tantos dias áridos no sol escandante. Seria aquilo o que lhe fez tanta falta em uma manhã como aquela? Em uma manhã que nada deveria ser diferente. Discou os números que não havia esquecido. A voz preencheu seus ouvidos com a precisão de um tiro. Seu coração bombeou mais sangue que o normal. Era aquilo. Agora tinha tudo. Todos os órgãos que lhe faltavam estavam ali trabalhando juntos. No entanto, a busca eterna por algo que nunca encontraria parecia interessante. A solidão era sempre melhor. Desligou o telefone. Acendeu o cigarro. Menina besta, essa, me deixa, me joga, me mata e ainda me faz querê-la. Andou pelos bares brigando com qualquer rapaz que lhe olhasse. Bebeu todas as gotas que lhe couberam no estômago. Vomitou o último líquido que havia em seu estômago. Aquilo era melhor. Era melhor que olhar aquele rosto tão lindo. Que acordar todas as manhãs sentindo aquele perfume doce. Sentir o cheiro do café logo cedo. Segurar nos longos cabelos e ouvir um sussurro quente nos ouvidos. Era melhor! Era melhor. Era melhor... Era melhor?
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Badbye
Alguma coisa que queira dizer? Qualquer coisa, só pra amenizar a dor, só pra eu parar de chorar. Nada? É bom pra você? Diz adeus então, só adeus, não precisa abraçar. Eu sei que você odeia despedida, eu sei, mas não é uma despedida. Eu não vou voltar. Você não vai me ver. Nunca mais. Nem assim você vai levantar? Nem olhar pra mim? Eu vou com a certeza de um nada que eu tive por tempo demais. É assim que quer que eu me lembre de você? Um nada que nem me disse adeus? Eu tenho que ir porque eu não posso ficar com você. Porque as pessoas se apegam as outras, e você me fez feliz. Você vai me deixar alguma hora, e agora eu sou a pessoa que vai fazer isso. Porque eu não suportaria ver você ir embora. Porque se eu ficar vai doer sempre mais. Vai doer onde não pode doer. Você não sente isso, não sente essa vontade de mim que eu tenho de você. Eu só quero que você diga adeus, só pra eu ir em paz, porque não é nada fácil te deixar. Eu vou parar de chorar. Eu nunca mais vou lembrar o seu rosto, mas... você precisa me dizer adeus. Eu vou riscar o seu nome da lista telefônica, eu vou jogar fora as cartas de amor e queimar as fotos. Eu vou esquecer seu nome. Eu vou esquecer você. Mas, por favor, diga adeus. Você não pode me prender aqui. Você não pode se transformar em rancor, vou lembrar da flor que você me deu, vou lembrar da felicidade em ver os seus olhos, eu vou lembrar de ser feliz. Só não posso lembrar de você. Porque se eu lembrar vou estar te amando, e é por estar quase lá que eu estou indo embora. Não tem nada mais perigoso nesse mundo que amar. Não tem nada que machuque mais, porque uma hora a gente sabe que vai machucar. E quanto mais demora, mais dói. Quanto mais cedo acaba, mais dói. Só me dê adeus. Hoje, agora, eu preciso deixar você com o seu mundo e essas lágrimas que não param de cair. Eu prometo que você vai parar de chorar, eu prometo que seu coração vai achar uma saída, eu prometo que você nunca mais vai lembrar de mim. Eu não vou voltar pra saber. Adeus.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
[...]
Cerveja, moço.
Acabou.
E morte?
Logo ali com o cigarro na mão.
De que a chamo?
De amor.
Cerveja, moço.
Acabou.
E morte?
Logo ali com o cigarro na mão.
De que a chamo?
De amor.
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