Páginas

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Alguma coisa que vem de dentro. A gente chora. Eu chorei, sabe, por tanto tempo que parecia um rio, mar, cachoeira. Eu vi o mundo com os olhos de um cão que se abandona e chuta e deixa na chuva. E eu vi a chuva como o cimento inacabado, como a tinta fresca que não pode ser molhada. E o mundo talvez me viu como um mendigo de alma, alguém pedindo amor em esmolas tão pequenas, esticando a mão pra pedir uma pitadinha de calor com carinho e recebendo pouquíssimas moedas estampadas com a cara de homens que ninguém nunca ouviu falar. E o amor? Talvez esteja vindo de ônibus na Grande São Paulo, sentindo o cheiro podre do Tietê e reclamando do engarrafamento. Quem mandou esperar o feriado pra chegar? Enquanto isso eu olhando o cinza do céu, pensando em quão cinza está o pulmão de um eu que não para de fumar. Coisa difícil é parar de fumar, melhor ficar acomodado e tranquilo que comendo cenouras pensando no cigarro. E começa a garoa, e eu tento me molhar mas garoa não molha. Só corta. As gotas afiadas, gelam cada pedacinho da gente. São Paulo é uma cidade muito triste. As estações solitárias com os trens solitários que levam tanta gente pra lugar algum. E a Luz, a Estação da Cultura, da música, da beleza, hoje a Luz virou estação dos ventos. Ninguém quer arte, ver arte, comer arte. Que diabos. Alguma coisa que vem de dentro. Não sei mais o que vem, nem lágrima mais. Nem um suspiro vazio de sentimento solto pela manhã antes de encarar o frio do verão inverso. Talvez o frio que corta a fraqueza tão forte da garoa venha me engolir em um calor que ninguém nunca viu. A gente tem mania de não saber quando morre e continua andando, respirando, vivendo. A gente tem mania de morrer todo santo dia e não se enterrar. E a gente sabe que morto não enterrado só causa problema. Às vezes eu me enterro em um cobertor negro que me deixaram aos pós no guarda-roupas, as vezes eu me enterro em uma taça trincada de uísque com água gaseificada. Pra economizar álcool. Se bem que água gaseificada hoje em dia está tão caro... Não se compara ao uísque. Tem coisa pior que ser humano quando se perde toda a vontade de viver? Essa coisa de ser gente e não conseguir morrer de fato, essa covardia toda e essa vontade de se jogar no mar quente de Santos e nunca mais sair. Mergulhar por meio das ondas que não afogam nem bebê e se fingir de morto até morrer de verdade. Eu digo que viver é ruim. E dizem que morrer é pior. Alguma saída visível entre vida e morte onde eu possa me afogar sem sentir dor? Droga não conta. Nunca fui de fumar maconha ou cheirar cocaína ou injetar alguma coisa. E se essa coisa que vem de dentro é lágrima eu sinto os ossos fracos, eu sinto o corpo desabando e se afogando na sujeira do rio que corta essa cidade cinza. Olhando da janela eu vejo tanta pobreza, tanta riqueza, uma linda passando e acenando pro amor que não vem. E meu Deus, tem alguma coisa que vinha de dentro desde o início e não era choro, nem era palavra, nem morte, nem cinza. Vem de dentro machucando, sabe. Três palavras que nada tem a ver com Eu te Amo embora façam alguma alusão distante ao amor e ao desejo e a essa coisa que chamamos de saudade. Sinto sua falta.

Um comentário:

  1. Será que estamos destinados a carregar essas faltas por todas as estações que passamos?
    O trem passa por todas as estações do ano, e nem sequer pára.

    Gosto de ler coisas assim, que me façam ficar parado, catatônico, após o ponto final.

    Força, e continue e escrevendo, Natália.

    ResponderExcluir